Como prometido, aqui está um conto de sexta-feira 13. É, passei um pouco afastado do mercado literário em 2016, mas 2017 é o meu ano. E tem maneira melhor do que começar o ano com um belo conto? Esse ano é meu literário, podem anotar isso. Várias surpresas estão sendo preparadas. Aguardem com paciência.
Espero que gostem do conto. Tenham uma boa noite, e uma ótima sexta-feira 13.
Todas as pessoas do mundo – ou quase todas elas – têm o
desejo de visitar várias cidades, enquanto algumas se contentam em contar nos
dedos quais lugares desejam conhecer, mesmo tendo em mente que tal coisa pode
nunca acontecer. Entretanto, uma pequena parcela dessas pessoas consegue
realizar seus sonhos. Algumas escolhem um país específico, enquanto outras
decidem fazer algo conhecido como “mochilão”, que nada mais é do que, com pouca
bagagem, o mochileiro viaja por várias regiões de um país ou por vários países.
Steve Smith encaixava-se na segunda descrição.
Steve era um jovem norte-americano
de vinte e quatro anos, que se formara em Direito no ano anterior. Tal coisa
deveria ser comemorada, mas, infelizmente, poucos dias antes da festa que sua
família havia organizado, sua mãe e sua irmã morreram num trágico acidente de
ônibus, enquanto voltavam de Washington D.C. Seu pai havia morrido há alguns
anos, assassinado, por causa de uma dívida. Desde então, o rapaz resolveu tirar
férias. Colocou numa mochila algumas roupas e objetos pessoais e foi para a
Europa. Irlanda, Inglaterra, Espanha, Holanda e França.
Viagens mudam pessoas, e não foi diferente com Steve. O
rapaz tornou-se ainda mais maduro, além de ter visto lugares incríveis, feito
amizades e aprendido lições as quais nunca se esqueceria. Porém, foi na Itália
que ele passou pela situação a qual mudaria sua vida.
Steve estava hospedado no 302 do
Pace um pequeno hotel que ficava um pouco afastado do centro de Roma, mas valeu
a pena, pois a diária era incrivelmente mais barata que a dos outros hotéis.
Tudo ia bem até a manhã do segundo dia, quando o chuveiro ficou sem água
quente.
― Olá, bom dia ― disse ele, sabendo que o simpático
recepcionista entendia seu idioma.
― Olá,
senhor Steve ― respondeu o recepcionista rechonchudo, virando-se. ― Está
aproveitando a estadia?
― Estou
sim, mas há um pequeno problema.
― Não gostamos de problemas aqui no
Pace ― ele parecia confiante e determinado. ― Como posso ajudá-lo?
― Bom, o chuveiro está sem água quente ― respondeu o
jovem advogado. ― Eu poderia trocar de quarto?
―
Certamente, senhor ― ele virou-se, pega uma nova chave no armário de chaves e
entrega-a para Steve. ― Aqui está sua chave, senhor.
―
Agradeço imensamente por isso.
― Se importa se eu acompanhá-lo?
― De forma alguma ― disse Steve, começando a caminhar em
direção à escada de madeira, que parecia antiga, mas, ao mesmo tempo, algo nela
mostrava que ela estava sedo bem cuidada com o passar dos anos.
Nenhum dos dois proferiu uma única
palavra até a porta do 302 ser aberta novamente. Mario aguardou do lado de
fora, enquanto Steve adentrou o quarto e arrumou suas coisas, saindo dali cerca
de três minutos depois. Devolveu a chave para Mario, agradeceu e adentrou o
303, que ficava na frente de seu antigo quarto.
Tomou seu desejado banho quente, deitou-se na cama e
decidiu ler um pouco. Abriu sua mala e pegou O Retorno do Rei. Adquiriu o gosto pela leitura durante o segundo
ano de faculdade, e não parara desde então.
Roma estava fria naquela manhã.
Steve fechou o livro e decidiu que desceria até a cafeteria do hotel para tomar
uma xícara de chá. Agasalhou-se e abriu a gaveta do criado-mudo, para guardar
seu livro. Espantou-se ao ver que a gaveta não estava vazia. Um caderno azul,
de capa dura, estava ali.
Atiçado pela curiosidade, ele pegou o caderno e o abriu. Não havia nada
escrito na contracapa. Porém, a partir da primeira página, as páginas seguintes
estavam cobertas de textos escritos em caneta azul. A caligrafia parecia feminina,
e Steve teve certeza disso quando viu o nome Beatriz escrito na primeira linha.
A primeira anotação não possuía data, mas o caderno estava conservado, apenas
com as pontas gastas. Tudo estava escrito em italiano. Por sorte, seu italiano
estava afiado.
Olá.
Meu nome é Beatriz. Tenho dezenove anos e costumava morar em Palermo, Itália.
Onde estou agora? Acho que nem Deus sabe. Eu não faço ideia de como vim parar
aqui, mas faz alguns dias que eu venho tendo sonhos ruins. Espero que sejam
realmente apenas sonhos ruins, porque eu estou com medo. Estou com muito medo.
Steve fechou o caderno sobre seu
colo. No instante seguinte, ficou de pé. Ele devolveria o diário na recepção.
Talvez aquela tal Beatriz estivesse hospedada ali, e acabou esquecendo seu
diário. Mas, levando em conta que aquele diário parecia importante, seria
prudente andar com ele para todos os lados. Então por que ele estava ali, e sua
dona não estava?
Abriu a porta e desceu as escadas, indo em direção à
cafeteria, trazendo consigo o diário de Beatriz. Aproximava-se das dez da
manhã, e o local estava consideravelmente vazio. Ele foi até o balcão e pediu
um macchiato. Sentou-se numa das
mesas vazias e abriu o diário novamente.
Está frio aqui fora, mas prefiro estar aqui
do que naquele lugar asqueroso com aqueles monstros. Aquele lugar era o
Inferno, e eu não desejaria nem que meu inimigo fosse levado para lá. Eu passei
a maior parte do tempo presa numa cela do tamanho de um banheiro. Mal podia
deitar-me naquela cama de pedra. Eu nunca saía da cela, exceto pelas vezes em
que aqueles homens me levavam para aquela sala escura, onde torturavam várias
pessoas. Eu também fui torturada, mas eles fizeram coisas ainda piores com
outros pacientes. Aqueles frascos, os gritos ecoando pela sala...
― Aqui está seu macchiato,
senhor ― disse o garçom, aproximando-se da mesa de Steve e servindo-o.
― Muito
obrigado ― respondeu ele, assustado. Não percebeu que o garçom se aproximava.
― Está tudo bem, senhor? Aconteceu
alguma coisa?
― Não se preocupe. Apenas me
empolguei lendo um texto que escrevi.
O garçom assentiu e foi até outra mesa. O advogado abriu
o caderno e obrigou-se a continuar lendo. Ele não fazia ideia de quem era
Beatriz, mas estava disposto a descobrir. Ele queria descobrir quem ela era e o
que aconteceu com ela. Todas as respostas estavam ali, naquele diário.
Faz
dois dias desde que consegui escapar daquele hospital, ou seja lá o que fosse
aquela merda onde eu estava. Bom, ao menos parecia com um hospital. Vários
corredores e ainda mais portas, todas de metal. A maioria estava fechada, mas
as que estavam abertas eram as que realmente me assustavam. Quando abertas,
revelavam salas enormes, com várias mesas e aparelhos cirúrgico.
Estou
escondida na floresta, sem comida ou água. Pode ser qualquer floresta do mundo.
Eu só espero conseguir realmente fugir e relatar às autoridades o que acontece
naquele lugar. O Inferno existe, e eu estive nele. Se conseguir fugir,
escreverei tudo nesse diário, na esperança de que alguém o leia.
Não
sei ao certo quanto tempo fiquei presa, mas pareceu uma eternidade. Eles
fizeram coisas ruins comigo. Coisas que eu nunca pensei que um ser humano
pudesse fazer para machucar outra pessoa. Tento fingir que nada daquilo
aconteceu, mas sei que nunca esquecerei. Eles injetaram coisas em mim, em todos
nós. Estavam nos usando como cobaias para um experimento qualquer.
Steve fechou o diário durante alguns instantes, usando o
dedo para não perder a página. Enquanto isso, tomou outro gole de seu macchiato, tentando processar tudo
aquilo que havia acabado de ler. Sim, ele sabia que era muito fantasioso, mas
duvidava que alguém escreveria aquilo apenas por brincadeira.
Abriu o diário novamente. Havia uma
pequena mancha escura no canto da página, e ele duvidava que fosse café.
Não sei qual era a
finalidade de tudo isso, mas acho que eles conseguiram. Eles nos mudaram. Vi
muita gente morrer mas, para eles, cada morte deve ter valido a pena. Pouco
antes de conseguir fugir, comecei a sentir leves transformações. Eu ainda era
eu mesma, mas parecia diferente. Mais poderosa. Queria que fosse apenas isso.
Junto com todo esse poder, vieram os pesadelos. Ah, os pesadelos.
Nunca vi nada tão assustador quanto aquelas criaturas escuras e peludas. Eu
podia estar ficando louco, mas elas pareciam ser reais. Era como se não fosse
um pesadelo, mas eu estivesse realmente vivenciando aquilo.
― Está tudo bem, senhor? ― uma simpática senhora
perguntou ao advogado. Ele fechou o diário e virou-se para ela.
― Claro, tudo sim ― respondeu ele. ―
Por que?
― O senhor está suando frio.
Tem certeza de que está tudo bem?
Steve passou o dorso de sua
mão na testa, e percebeu que a senhora tinha razão.
― Acho que as anotações que fiz para meu novo livro
ficaram mais assustadoras do que pensei ― mentiu ele, sorrindo. ― Obrigado por
se preocupar comigo.
A simpática senhora deu meia-volta e
saiu dali, ao mesmo tempo que um jovem casal adentrou o local. Estavam
sorridentes e trocavam carícias. Recém-casados,
pensou Steve.
Saí
da floresta e vim para a cidade. Parece ser um vilarejo. Um casal de idosos me
encontrou e deu-me abrigo, sem nem ao menos me conhecer. Eles moravam sozinhos.
O filho saíra dali ao completar a maturidade. Foi para a cidade grande, ser
alguém na vida.
O
local é pequeno, mas aconchegante. É uma pequena casa de madeira, próxima à uma
fazenda. Precisei de alguns dias para me reidratar, mas em pouco tempo já
estava apta para ajuda-los nas tarefas domésticas. Parecia uma final feliz, mas
não era.
Segundo
dia no vilarejo.
Comecei a sentir fortes dores de cabeça, como se
uma manada estivesse passando ao meu redor vinte e quatro horas por dia.
Inexplicavelmente, quando tentei pegar um copo d’água, ele simplesmente
explodiu, como se apenas meu desejo de tocá-lo fosse forte o bastante para
destruí-lo.
O
casal teve a boa vontade de chamar o médico do vilarejo para me examinar, mas
ele não conseguiu descobrir nada. Disse que era apenas uma virose, e que eu
ficaria boa logo. Virose? Sem chance. Eu sabia o que estava realmente
acontecendo. Eu estava mudando.
O macchiato de Steve havia acabado. Ele
pediu outro, anotou em sua conta e subiu para seu quarto. Abriu as cortinas,
para que a luz do sol iluminasse o local, mas as janelas permaneceram fechadas.
Deitou-se debaixo das cobertas, colocou o macchiato
no criado-mudo e continuou lendo.
Terceira
noite no vilarejo.
Não
consigo dormir. Quando durmo, tenho pesadelos. Ah, essas criaturas. Elas
insistem em atormentar meus pensamentos, e eu simplesmente não aguento mais!
Minha cabeça está prestes a explodir! O que está acontecendo comigo?
Comecei a ver as
criaturas no mesmo dia em que quebrei o copo com minha mente. É, isso mesmo.
Também pensei que estivesse louca, mas foi o que realmente aconteceu. Para ter
certeza de que não estava louca, tentei levitar esse caderno, e consegui. No
começo, foi até divertido, mas as criaturas começaram a aparecer em minha
cabeça, como se quisessem me destruir cada vez que eu utilizasse aquele poder
que eu havia recebido. Não, eu nunca pedi para receber tais poderes, muito
menos para ser morta por esses monstros peludos.
É
noite, e está chovendo lá fora. Não faço ideia de que horas são, mas isso já
não importa mais. Tenho a leve sensação de que há alguém lá fora, nas sombras,
observando-me, apenas esperando o momento certo para me atacar.
Se
antes havia dúvidas, agora tenho certeza. Há realmente alguém lá fora, e é
improvável que eu continue viva. Por favor, se está lendo esse diário, faça
algo. Eu não quero morrer, mas isso é algo inevitável. Eles vieram atrás de
mim, e não há para onde fugir.
Havia sangue em algumas das páginas seguintes. Isso
dificultou a leitura, mas Steve conseguiu prosseguir. Entretanto, algo o
assustou. Só havia pouco mais de uma página escrita.
Dois
dias se passaram desde o ataque. Eles eram vários. Todos vestidos de preto, e
armados até os dentes. Mas eu venci. De alguma forma, consegui controlar meus
poderes, e acabei com cada um daqueles filhos da puta. Porém, infelizmente,
aqueles idosos que foram tão bons comigo acabaram falecendo. Duas boas pessoas
estão mortas por minha causa!
Saí de lá o mais
rápido possível, e estou há dois dias, viajando sem rumo. Não importa onde eu
vá, aqueles homens virão atrás de mim. Mas eles são o de menos. O que realmente
me assombra são aquelas criaturas monstruosas. O que elas querem de mim? Será
que elas têm algo a ver com os experimentos?
Os relatos de Beatriz haviam acabado. Entretanto, havia algo escrito de
forma macabra na página seguinte. Ao ler o que estava escrito, Steve devolveu
seu macchiato ao criado-mudo. Suas
mãos estavam trêmulas, como se ele tivesse acabado de ver um cadáver. Antes
fosse. O que ele leu era ainda pior.
VOCÊ É
O
PRÓXIMO
Aquilo deixou Steve mais assustado do que ele já estava. Aquele diário
era algo improvável, e o que aconteceu com aquela garota era, e talvez sempre
seria, um mistério. Porém, coisas piores martelavam sua cabeça. Se ela foi
mesmo capturada, por que deixaram o diário para trás? Teria sido de propósito,
ou alguém o havia roubado? Nenhuma das possibilidades justificava o fato de o
diário estar na gaveta daquele quarto de hotel. Por que alguém deixaria aquele
diário ali, sabendo que qualquer estranho poderia encontrá-lo? A não ser que
eles soubessem que Steve estaria ali.
Mas tal coisa não fazia sentido algum. Por que viriam
atrás de Steve? Ele era só um turista, que acabou encontrando e lendo algo que
não deveria...
Ele sentou-se na cama e terminou seu
macchiato. Torcia para não estar
certo mas, se estivesse, era possível que ele tivesse o mesmo trágico e
misterioso destino da pobre Beatriz. Ela poderia ter sido morta, ou ter voltado
para aquele lugar macabro, o qual ela não mediu esforços ao compará-lo com o
Inferno.
Deitou-se e fechou os olhos, enquanto um turbilhão de
pensamentos tomava conta de sua mente. Aquela garota estava desaparecida, e
aqueles experimentos cruéis continuavam sendo realizados. Steve não fazia ideia
do que fazer, mas teve certeza de uma coisa. Ele estava em posse de um diário
extremamente valioso, o que fazia dele um alvo.
Ele
poderia ser o próximo.
*
Tarde do
dia seguinte.
Duas mulheres uniformizadas bateram na porta do 303.
Bateram uma segunda vez, e até mesmo uma terceira, mas ninguém respondeu.
―
Serviço de quarto! ― gritou uma delas. A outra retirou uma chave do bolso e
abriu a porta.
O quarto estava bagunçado, como se tivesse tido uma briga
ali. Os lençóis estavam espalhados pelo chão, como se o hóspede gostasse de
acampar. As gavetas do criado-mudo estavam no chão. O hóspede deveria ser
alguém muito sujo para ter ido embora e deixado o quarto em condições
deploráveis. Entretanto, segundo dados da recepção, o senhor Steve Smith só
deixaria o hotel dali três dias. Talvez ele tivesse saído para comer, mas isso
não explicava o fato de ele deixar o local daquele jeito.
Algo estava estranho, e aquelas
mulheres sabiam disso. Não havia ninguém ali. Nem Steve Smith, nem mala, nem diário.
Eita,parabéns! Isso ficou bom demais, quero mais kk ♡
ResponderExcluirAh, que é isso. Muito obrigado. Fico feliz que tenha gostado <3
ExcluirIncrível, amigo. Parabéns.. Amei o conto!!! 😀😀😀😀😀
ResponderExcluirMuito obrigado, Jéssica *-*
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